Artigo de Opinião de Nuno Pedro, Tesoureiro da Associação de Futebol de Lisboa.
Desde o início do século passado que a atividade desportiva tem tido um papel preponderante na sociedade em que estamos integrados. Importância essa que resultou das várias dinâmicas associativas que foram criadas por vontade expressa das populações como forma de acometimento à prática desportiva e satisfação das necessidades individuais e coletivas locais. Porém, em termos de legislação específica para esta área, só com a Constituição da República Portuguesa de 1976 (artigo 79.º) é que o desporto conquista espaço na Lei, passando a ser reconhecido como um direito fundamental de todos os cidadãos, ficando obrigado o Estado a dar prossecução a esse objetivo.
Ao longo dos anos, homens e mulheres de todo o país, de vários estratos sociais, de várias gerações, deram corpo e alma a muitos movimentos desportivos que tiveram e têm como principal consequência a formação de coletividades/clubes direcionados para a prática desportiva, na sua maioria enquadrados ou sob tutela de federações e associações de modalidades.
É lugar comum afirmar-se que sem dirigentes não há clubes. Nada mais verdade. Como também é usual dizer-se que são os clubes os verdadeiros motores do movimento desportivo, substituindo-se ao próprio Estado numa função a que este está obrigado. E aqui entramos numa primeira contradição: se os dirigentes são tão importantes na tarefa que desenvolvem, qual a razão de não verem essa missão reconhecida ou no mínimo protegida? Será que a classe dirigente tem a dignificação que merece? Obviamente que não. E basta atentar na legislação em vigor para constatarmos tal injustiça. Na Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5 de 16/10/2007), no seu artigo 36.º, sobre os titulares de cargos dirigentes desportivos, remete-nos para o Decreto-Lei n.º 267/95, que define o estatuto do dirigente desportivo em regime de voluntariado, ou seja, aquele em que se integra a quase totalidade dos dirigentes no contexto do território e movimento desportivo nacional.
Segundo este normativo legal, considera-se dirigente desportivo em regime de voluntariado “qualquer pessoa que se encontre, de modo efetivo e sem remuneração, no exercício de funções em órgãos estatutários do Comité Olímpico de Portugal, da Confederação do Desporto de Portugal, de federações desportivas dotadas de estatuto de utilidade pública desportiva ou de associações nestas últimas inscritas.”
Daqui se infere que, no que diz respeito aos dirigentes dos clubes, estes não gozam de quaisquer direitos ou proteção, à exceção do previsto no n.º 3, artigo 30.º do mesmo diploma, reservando apenas direitos em matéria de formação. Se a isto juntarmos o habitual seguro desportivo inerente à inscrição numa associação ou federação, estão encontrados os únicos benefícios dos dirigentes dos clubes. Tamanha incongruência, pois se aos primeiros estão atribuídos um conjunto de regalias, tais como, apoio na formação, apoio jurídico, gozo de horário específico, dispensa temporária de funções profissionais, seguro especial de acidentes pessoais, atente-se bem, cumulável com o seguro desportivo, qual a razão que sustenta a não aplicação das mesmas atribuições aos dirigentes dos clubes? Uma questão que urge resposta, traduzida em alterações à legislação vigente de forma a conduzir a uma maior dignificação e reconhecimento da classe dirigente, sob pena, se tal não se vier a concretizar, de vermos hipotecado, num futuro não muito longínquo, a manutenção dos atuais e captação/aparecimento de novos dirigentes e por consequência o próprio movimento associativo desportivo.